As representações do autismo na mídia é o reflexo do ponto de vista normativo sobre como a pessoa autista se parece. Antes de pessoas famosas sendo diagnosticadas tardiamente, as representações do autismo eram restritas a um comportamento ainda mais estereotipado: passando pela caracterização infantilizada da pessoa diagnosticada ainda na infância, comportamentos estereotipados pelo ponto de vista da patologização com a necessidade de medicação e intervenção comportamental, até uma idealização de como o corpo da pessoa autista deve ser representado, com roupas e acessórios infantilizados e até no modo de andar, sempre atípico, como um caminhar saltitante ou na ponta dos pés.
O estereótipo do autista constantemente propagado na mídia é a tentativa de formar uma imagem sobre uma deficiência que não é possível identificar sem uma avaliação clínica profunda, ou a identificação verbal ou visual da própria pessoa autista. Trazendo o protagonismo autista para os cuidadores e não para os próprios autistas que relatam as suas experiências e comportamentos nestes ambientes.
O Anjo Azul como arquétipo do autismo
A mídia como um espaço normativo acaba representando o autista apenas como um organismo, da perspectiva de que o transtorno do espectro autista é uma sentença, excluindo do autismo o próprio indivíduo. É como se a necessidade de suporte associada ao diagnóstico excluísse as capacidades de autonomia e independência, que são relativos ao contexto de cada indivíduo e associados diretamente a inclusão do autista nas faculdades e no mercado de trabalho. O ponto de vista normativo, portanto, marginaliza o autista permitindo que eles somente ocupem os espaços que lhe são designados, pois até para isso ele precisará de suporte.
Nos jornais televisivos, o tema constantemente é abordado em entrevistas com profissionais de saúde falando sobre sinais comuns em crianças e enfatizando a importância da intervenção comportamental precoce e intensiva, às vezes até mesmo num período em que o diagnóstico sequer é possível. Com o DSM-V e a popularização de novas ferramentas de comunicação impulsionadas pela pandemia, a temática do autismo começou a tomar uma forma globalizada com relatos de atores famosos que receberam o diagnóstico tardio, escolas de samba promovendo o autismo com enredos romantizados sobre o anjo azul e a criação de espaços de regulação em shoppings e outros espaços normativos que aparentam ser uma clínica infantil.
O protagonismo autista nas redes sociais
Nas redes sociais, páginas sobre a maternidade “atípica” tem recebido milhares de visualizações, muitas vezes furando a bolha do autismo com vídeos estimulando uma criança até a crise. Isso mostra que o protagonismo autista não é representado pela perspectiva autista, mas ainda pela perspectiva da projeção social sobre o transtorno.
“No meu ponto de vista, o protagonismo autista como forma diversa só está na nossa bolha mesmo. Quando furamos a bolha, as pessoas vêm com questionamentos do tipo ‘Você é igual a advogada extraordinária?’, ou com a grande invalidação do nosso diagnóstico comentando ‘você não é igual ao Romeu Mion’. Vemos uma diversidade grande entre nossos colegas que produzem conteúdo, mas a sensação é de que existe um grupo de portas fechadas que se conhece, não porque não abrimos a porta, mas sim porque as pessoas não querem adentrar e nem querem que as portas fiquem abertas. Existe uma romantização também do conforto que a ignorância sobre o tema causa nas pessoas, aquela coisa de ‘a ignorância é saborosa’.
Ainda estão dando espaço apenas para pais atípicos, mais do que os autistas em si, e parece existir uma tabela de preferência de autistas. Gostam do nível 3 medicado para não ficar incomodando, reafirmando aquele estereótipo que a gente conhece, o anjo azul, o inocente que ‘não entende nada, tadinho’. O nível 2 ‘savantista’, porque ele ainda apresenta uma ‘dificuldade visível’ em alguns comportamentos, mas é um gênio. E o nível 1 para andar de mascote, chaveirinho ‘o amigo gay’. Nos eventos sobre autismo, chamam ‘especialistas’ neurotípicos que pegam uma boa dinheirama, e quando chamam autistas o serviço precisa ser de graça, apenas pela ‘oportunidade’ do autista falar. Raramente a gente vê autistas negros nesses eventos, é basicamente a galera cis branca, trans então esquece, trans negra autista? isso existe?”. – Atípica Aline, influenciadora digital
A bolha protagonizada por autistas diagnosticados tardiamente tem sido fundamental para a busca pelo diagnóstico de muitos autistas que nunca tiveram a oportunidade de ter acesso à informação básica sobre o que o autismo realmente é e como se parece.
Indicações de leituras que foram referências para este artigo:
- Pesquisa analisa a representação do autismo nos meios de comunicação
- A descolonização do autismo à partir do protagonismo autista
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Texto desenvolvido por Pedro Anacleto para o exercício dos encontros atípicos.
Se você quiser, dê o seu relato no campo de comentários para enriquecer o texto e a experiência de outros autistas!

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