A ignorância sobre o autismo promove momentos capacitistas que impedem a inclusão de pessoas autistas em espaços normativos. Se você é autista, ao dar essa informação para uma pessoa, existe uma grande chance de você receber uma das respostas abaixo. Neste texto, vou abordar diversas situações comuns que pessoas, sem o conhecimento necessário sobre o autismo para promover a inclusão, costumam falar para a pessoa autista, até mesmo com a intenção de elogiar.
“Mas você nem parece autista, você fala tão bem…”
As dificuldades de comunicação de uma pessoa autista vai além da articulação na fala. As dificuldades podem ser verbais ou não verbais e também em relação ao processamento das emoções. É comum, por exemplo, que uma pessoa autista tenha alexitimia, que é a dificuldade de dar um nome para as emoções. Se a pessoa está passando por uma emoção que ela não consegue descrever ou nomear, é uma dificuldade de comunicação.
Autistas podem ser hipo ou hiperreativos a estímulos sensoriais ou do ambiente. A própria reatividade a um estímulo é um tipo de comunicação que pode prejudicar a pessoa autista em diversos contextos.
A forma como uma pessoa autista se comunica não nos torna menos ou mais autista. O autismo é um transtorno invisível e as manifestações são individuais e contextuais.
Devemos compreender que a articulação na fala, a prosódia, não é um critério diagnóstico, mas sim o déficit em comportamentos comunicativos.
“Seu autismo é leve, você não faz ideia do sofrimento de autistas mais severos.”
Os termos autismo “leve”, “moderado” e “severo” foram rebatizados para níveis de suporte, mas isso ainda não define o sofrimento imposto pelo autismo. Nós variamos no espectro de acordo com o nosso contexto e autistas que receberam o diagnóstico tardio muito provavelmente não possuem o suporte adequado para as suas necessidades atuais.
O critério D do DSM-V-TR diz que “Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento atual“, portanto, todos os autistas sofrem com o transtorno, e devem ser respeitados os comportamentos, as dificuldades, as necessidades de suporte e as características de cada um, sem julgamentos.
“O autismo não é uma deficiência.”
Deficiência é um conceito social e político em evolução. O autismo é uma identidade social e também uma deficiência amparada pela Lei nº 12.764, de 27 de Dezembro de 2012. Reconhecer isso é essencial para que nós autistas tenhamos acessos aos nossos direitos e possamos ocupar espaços normativos.
Desconsiderar o fato de que o autismo é uma deficiência é resumir o transtorno do espectro autista à comportamentos passíveis de intervenção clínica ou medicalização, com o objetivo de cura adequada à normatividade.
Ter o autismo amparado pela Lei reconhece nossas dificuldades sociais, motoras e sensoriais, abre possibilidades para acesso básico à saúde, educação e trabalho, consequentemente o acesso à autonomia e independência.
“Você está usando o autismo como muleta.”
Pessoas autistas podem apresentar dificuldades para controlar mudanças de hábitos e comportamentos, principalmente quando não receberam o suporte adequado para desenvolverem as habilidades adaptativas necessárias para a sua autonomia ao lidar com mudanças imprevistas.
A rigidez cognitiva é a tendência a manter padrões de pensamentos restritivos e repetitivos, influenciando na dificuldade ao lidar com mudanças, provocando sofrimento ao indivíduo autista e aumentando o risco de desenvolver comportamentos auto lesivos, tal como maior probabilidade de desenvolver o transtorno de estresse pós traumático ao longo da vida.
“Afinal, o diagnóstico de autismo vai mudar o quê na sua vida?”
Esta pergunta parte do pressuposto da normatividade. É como se o indivíduo autista que recebeu o diagnóstico na fase adulta, teria, ao longo de sua vida, desenvolvido de forma típica e adequada todas as habilidades e competências necessárias para uma vida plena. A pergunta ainda desconsidera a existência de uma deficiência invisível, porque o individuo atende aos estereótipos projetados como “normais”, mesmo que não sejam necessariamente típicos.
A pessoa autista que precisa responder essa pergunta revisita todos os traumas e gatilhos que a levaram pedir ajuda para lidar com os sofrimentos impostos pelo transtorno.
O diagnóstico de autismo não muda o fato de que a pessoa sempre foi autista, mas cria a oportunidade para mudanças no contexto da pessoa que permitem uma vida mais agradável.
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Texto desenvolvido por Pedro Anacleto para o exercício dos encontros atípicos que ocorrem nos dias 20 e 28 de maio de 2024. Inscreva-se via apoia.se para participar dos encontros.
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Dica pra quem leu até o final e convive com uma pessoa autista: não pergunte a ela “Qual o seu nível de suporte.” Isso não comunica nada. Pergunte: “Quais são suas necessidades de suporte e como eu posso ajudar?”







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