Autismo: compreendendo o termo e a evolução do conceito

Em 1911 a palavra “autismo” foi utilizada pela primeira vez pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuer ao definir distúrbios de pacientes esquizofrênicos que consistiam na perda parcial da realidade, isolamento e desvinculação do laço social.

A palavra que tem em sua etimologia AUTO-(“de si mesmo”) e -ISMOS (indicativo de estado de ser ou ação), na realidade foi primeiramente inspirada pela teoria da libido de Freud, tendo sua origem no termo psicanalítico “autoerotismo”.

Naquele período, acreditava-se que o paciente esquizofrênico com o distúrbio do autismo vivia em dois mundos: o mundo autista, caracterizado pela retração à fantasia e a perda de contato com a realidade, e o mundo das relações com o outro, sendo este experimentado mais como uma aparência do que como realidade. O mundo das relações com o outro para a pessoa autista seria um coadjuvante, de menor interesse ao autista em comparação ao seu próprio mundo interior.

A associação do autismo como distúrbio da esquizofrenia só foi rompida em 1943 quando Leo Kanner descreveu o “autismo infantil precoce” como uma nova categoria clínica no artigo “Os distúrbios autísticos de contato afetivo” ao observar onze crianças com quadro definido por isolamento extremo, comunicação prejudicada, mutismo, ecolalia, insistência obsessiva na manutenção da mesmice, ansiedade ante novas situações, fascinação por objetos e desinteresse por pessoas. Donald Gray Triplett, identificado no artigo de Kanner como Donald T., é considerado a primeira pessoa a ser diagnosticada com o transtorno, morreu no dia 15 de junho de 2023, aos 89 anos – trabalhou por 65 anos em um banco dos Estados Unidos e recebia os novos colegas com “cartões postais dados ao longo dos anos, um apelido ou número dado quando ele conheceu você, ou até mesmo por levar um ‘tiro’ dele com elásticos coloridos” de acordo com a publicação do próprio banco após seu falecimento.

Em 1944, o psiquiatra austríaco Hans Asperger publicou sua tese de doutorado apresentando quatro crianças com características semelhantes às descritas pelo Kanner. No artigo, Asperger também utilizou o termo autismo para caracterizar os sintomas e comportamentos apresentados pelas crianças e definiu o transtorno como “psicopatia autista”. A associação do autismo como parte das psicoses perdurou até meados da década de 1970 até a publicação do livro “Autismo: Diagnóstico, Pesquisa atual e Manejo” de Edward Ritvo, quando finalmente o autismo passou a ser classificado como uma síndrome comportamental relacionada a um déficit cognitivo, excluindo a hipótese de ser uma psicose. O autismo passa a ser considerado um distúrbio do desenvolvimento cognitivo e os primeiros critérios de avaliação diagnóstica começam a ser elaborados para inclusão no DSM.

Em 1981 a psiquiatra Lorna Wing publicou o artigo “Síndrome de Asperger: uma consideração clínica“, implementando pela primeira vez o termo em referência ao pesquisador austríaco, Lorna também desenvolveu pela primeira vez o conceito do autismo como um espectro e levantou a hipótese da camuflagem autista ao observar como o autismo se manifestava em pessoas do sexo feminino e como as diferenças sociais e culturais poderiam influenciar no diagnóstico desta população.

O autismo recebeu pela primeira vez os critérios diagnósticos no texto revisado da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III-R), em 1987. O manual apontava 16 itens divididos em quatro critérios, sendo eles:

  • A. Incapacidade qualitativa na integração social recíproca;
  • B. Incapacidade qualitativa na comunicação verbal e não verbal e na atividade imaginativa;
  • C. Repertório de atividades e interesses acentuadamente restrito;
  • D. Início na primeira infância.

O manual, entretanto, foi amplamente criticado por sua inespecificidade, o que impedia um diagnóstico diferencial para o autismo naquele período.

Já pensando na quarta edição do DSM, os novos critérios para o diagnóstico do autismo foram avaliados em um estudo internacional com mais de mil casos analisados por mais de 100 avaliadores clínicos. O termo “Transtorno Autista” foi reconhecido pela primeira vez no DSM-IV, de 1994, incluindo também a Síndrome de Asperger como parte do espectro autista – referindo aos pacientes de “alto funcionamento” e inteligência “normal” ou acima da média que apresentavam déficits na sociabilidade e interesses específicos e circunscritos. Os critérios diagnósticos foram melhor definidos no ano 2000, na versão revisada do DSM-IV referindo aos seguintes prejuízos:

  • 1. Prejuízos qualitativos na interação social;
  • 2. Prejuízos qualitativos na comunicação;
  • 3. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades

Em 2013 foi publicado a 5ª edição do DSM, abrigando as categorias antes conhecidas como Autismo Infantil, Síndrome de Asperger e Autismo Atípico em um único diagnóstico, o Transtorno do Espectro Autista, dentro da categoria dos transtornos do neurodesenvolvimento. O termo espectro foi inserido ao transtorno devido à diversidade de sintomas e patologias que podem acompanhar o autismo, assim como os níveis de suporte associados.

Os critérios diagnósticos para o Transtorno do Espectro Autista de acordo com o DSM-5 incluem os déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. O manual exige ainda a especificação do nível de suporte e se há comprometimento intelectual e da linguagem concomitante.

Apesar de termos como Autismo Infantil, Síndrome de Asperger e Autismo Atípico terem caído em desuso no DSM-5, especificamente no Brasil, o CID-10 ainda é a referência principal para a realização de diagnósticos. O CID-10 é datado de 1992 e ainda tem como referência os critérios diagnósticos da época, portanto, ainda é provável que no seu laudo médico ainda estejam os termos antigos. A implementação da nova edição do CID ocorrerá no Brasil em 2025 e então os laudos poderão ser atualizados com a terminologia atual e prevista pelo DSM-5-TR, que solicita a classificação do Transtorno do Espectro Autista de acordo com sua associação ao Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e déficit na linguagem funcional, assim como o nível de suporte.

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