Para iniciar este texto, é importante ressaltar que o termo ‘hiperfoco’ é utilizado de forma ampla e anedótica. Ampla, pois o termo não se refere a uma definição técnica exclusiva ou rigorosa, além de se manifestar de formas muito distintas; anedótica, pois o hiperfoco é baseado nas observações informais e experiências pessoais e não é muito bem definido pela literatura científica, portanto, as definições relacionadas ao estado de hiperfoco podem ser completamente distintas, e, ainda assim, corretas.
Aqui compreendemos o hiperfoco como uma condição necessariamente neuroatípica, sendo comumente mencionado nos contextos do Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e esquizofrenia. O estado de hiperfoco está relacionado à intensidade do interesse e/ou atenção apresentado por determinadas atividades, tarefas ou assuntos específicos.
Um dos critérios diagnósticos que chamam a atenção no TEA são os padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. O hiperfoco se encaixa bem nesta definição, sobretudo quando se trata do terceiro critério diagnóstico do grupo B: “Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos).”
Para além do autismo, as pessoas com TDAH podem experimentar o estado de hiperfoco através de uma fixação intensa e prolongada em uma atividade específica. O hiperfoco, neste caso, faz a pessoa perder a noção do tempo em relação à atividade, além da dificuldade em mudar de ação. Considerando que até 80% da população autista também tenha o transtorno de déficit de atenção, este mesmo estado de hiperfoco, que é mais parecido com um estado de fluxo, pode ser experienciado.
Diferenciando hiperfoco do estado de fluxo
O estado de fluxo, condição descrita pelo psicólogo croata Mihaly Csikszentmihalyi, também é um estado de concentração profunda e envolvimento em uma atividade que demanda atenção e foco, entretanto, ocorre necessariamente quando esta atividade apresenta algum desafio em sua execução e quem a executa tenha a habilidade para sua realização.
Um ótimo exemplo de estado de fluxo é o que acontece quando estamos jogando videogame: o jogo oferece um desafio a ser cumprido e ele ensina, progressivamente, as habilidades necessárias para vencer este desafio. À partir do momento que existe o equilíbrio entre a habilidade e a dificuldade o estado de fluxo é alcançado. O estado de fluxo é intencional e consciente e pode ser alcançado por qualquer pessoa, normalmente representando uma experiência prazerosa e produtiva.
O hiperfoco, por outro lado é involuntário e muitas vezes difícil de redirecionar a atividade em razão da rigidez cognitiva. O hiperfoco também pode estar relacionado a um estado mental de interesse/desejo ou pensamento circunscrito (em volta de um mesmo assunto), o que pode influenciar a pessoa a realizar atividades ou tomadas de decisão pautadas nestes pensamentos.
Prejuízos do hiperfoco para as pessoas autistas
Os hiperfocos, embora sejam uma fonte de prazer e conhecimento, também podem trazer prejuízos significativos, sendo estes na comunicação e na interação social, devido a dificuldade de falar sobre outros assuntos para além dos interesses restritos e hiperfocados; ocupacional – por impedir a execução de atividades de vida diária, como alimentação, hidratação e higiene pessoal; e também financeiro.
Nem sempre o hiperfoco é prazeroso podendo, inclusive, ser um fator de isolamento para a pessoa autista em razão das suas dificuldades de comunicação e interação socioemocional.
É comum que no autismo os interesses sejam mais limitados, seja pelo histórico de vida – quando a pessoa mantém os mesmos interesses por muitos anos – seja em razão do contexto atual, que pode influenciar em uma autopercepção limitada aos seus interesses restritos. Isso, consequentemente, faz com que o repertório da pessoa autista seja mais limitado nas interações sociais. No transtorno de déficit de atenção, por outro lado, os interesses não costumam ser restritos e, por isso, apresentam um repertório alimentado pelos hiperfocos ao longo da vida, facilitando a sua comunicação e interação social.
Considerando a correlação entre o Transtorno do Espectro Autista e o TDAH, as pessoas que compartilham destes dois transtornos podem usar os hiperfocos como estratégias de compensação e assimilação nas interações sociais.
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E então… quais são os seus hiperfocos no momento?
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Referências e recomendação de leitura:
DSM-5-TR: Critérios diagnósticos para o Transtorno do Espectro Autista, pg. 56 e 57
Hiperfoco: A fronteira perdida da atenção (em inglês)








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