Rigidez cognitiva do ponto de vista autista

Eu tenho a sensação de que não sou capaz de aprender, mas isso absolutamente não condiz com a realidade, pelo menos é o que minha avaliação neuropsicológica tenta me convencer com índices que informam eu aprendo com rapidez e precisão. A rigidez cognitiva parece ser uma força que busca me impedir de começar a fazer coisas que estão fora da minha rotina. Aprender um novo idioma é um ótimo exemplo disso. Eu tenho muito interesse e curiosidade para aprender outra língua, mas não há nenhuma necessidade em minha rotina de usar outros idiomas, e também nunca fui estimulado a aprendê-los em nenhum momento da minha vida.

Incluir coisas novas na minha rotina é um parto, isso faz com que eu me recuse a aprender um idioma novo porque pensar em ter que dominar todas as bases leva um tempo absurdo. E eu me frustro muito quando algo sai da minha rotina esperada ou dos planejamentos; e eu me sinto inseguro e posso ter crises quando preciso aprender novos processos ou me adaptar a novos contextos.

A rigidez cognitiva se refere a padrões de pensamentos e comportamentos inflexíveis, tornando a adaptação a novas situações ou ambiente um desafio. Ter que lidar com uma mudança de atividade de foco ou uma tentativa frustrada em relação a uma atividade ou planejamento específico podem provocar crises. Mas a rigidez também se apresenta de outras formas, como a preferência por usar objetos específicos para atividades específicas ou ter padrões ritualísticos de comportamento.

Escrever poemas era algo rotineiro para mim. Entre 2010 e 2012 eu alimentei cinco blogs diferentes com meus versos, até que no final de 2012 eu precisei mudar de cidade para realizar faculdade e trabalhar e, então, minha rotina mudou completamente. Fiquei sem escrever poemas até 2020, quando no contexto da pandemia eu voltei a versificar. Durante esses oito anos, eu pensei que eu não voltaria a escrever poemas, parecia que eu tinha simplesmente perdido essa habilidade. É como se, para determinadas atividades, a rotina exigisse um contexto. Se este contexto muda, muda a rotina, e portanto, sinto que eu perco as habilidades para executar certas atividades do contexto anterior. Transferir habilidades para novos contextos pode ser um desafio e tanto.

Os comportamentos rígidos são apontados no critério B do DSM-5-TR para o Transtorno do Espectro Autista e descrevem a rigidez cognitiva como insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente).

O mesmo também vale para outro critério do item B: interesses fixos e altamente restritos em intensidade ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos e perseverativos).

Previsibilidade e repetição

A rigidez cognitiva (também chamada de rigidez comportamental) vai afetar em como conseguimos ajustar nossos pensamentos e comportamentos diante de uma nova situação. Previsibilidade de qualquer situação torna as coisas mais fáceis e a repetição pode nos beneficiar. Uma característica intrínseca ao autismo é o déficit persistente na comunicação e interação social, mas contextos diferentes trazem desafios diferentes.

Do ponto de vista da socialização, por exemplo, uma pessoa autista pode se sentir confortável e até extrovertido se ele tem a previsibilidade de quem ele vai ver e a frequência disso. Na escola ou na faculdade, por exemplo, logo é possível saber quem são os colegas que vão te acompanhar todos os dias naquela atividade, tornando mais fácil a socialização nestes ambientes. Já numa festa, entretanto, nunca sabemos quem vai estar lá, ou se vamos ver aquelas pessoas em outros momentos da vida – então, na falta de previsibilidade e repetição, podemos nos sentir inseguros e introvertidos.

A necessidade de previsibilidade e repetição não se limita às interações sociais, nossa atividades de vida diária também é afetada pela rigidez cognitiva. Quando temos um planejamento sobre nossa rotina conseguimos reduzir a ansiedade e aumentar a sensação de controle sobre o ambiente. Mas o limiar de frustração em relação às mudanças inesperadas podem provocar uma sobrecarga emocional ou sensorial.

Tenho muita dificuldade de comer outras comidas, senão as minhas comidas de conforto. Mesmo que eu esteja com muita fome, é muito difícil me alimentar de outras coisas, muitas vezes já fui dormir com fome por isso. No trabalho, tenho uma maneira específica de realizar as minhas tarefas, sempre faço da mesma forma, mesmo que este seja o caminho mais longo, se mudo o que eu faço, penso que tudo vai dar errado, como se algo catastrófico fosse acontecer. Inclusive, já refiz vários trabalhos do zero por conta dessa sensação.

Pode ser difícil lidar com a quebra de regras

Durante muito tempo eu não tinha ideia de porque eu não conseguia quebrar regras impostas e porque eu ficava p. da vida quando alguém quebrava regras perto de mim. A situação era sempre igual: se é regra, é pra todo mundo cumprir, qual a dificuldade de alguém seguir a regra, não? Pois bem, na minha formação de ator, várias situações foram me impelindo a achar contra-gatilhos pra minha rigidez cognitiva em relação às regras. Eu lembro de uma aula de expressão corporal (diga-se de passagem, não com a melhor orientação) em que a professora deu a ‘regra: a partir de agora todos os movimentos devem ser circulares. E lá estou eu tentando fazer tudo que era circular com meu corpo. De repente, não mais que de repente, um colega de turma começa a fazer movimentos que em nada eram redondos, quebrando completamente a regra. Na minha cabecinha rígida, aquilo estava errado, mas eu fiquei na minha. Mas como o “tinhoso” tem que testar a gente, a professora deu-lhe um baita elogio dizendo que estavam incríveis os movimentos que ele estava fazendo.

Minutinho de cabeça neurodivergente travando, autismo com altas habilidades em velocidade da luz, e eu indignado que a pessoa tomou um elogio sem estar fazendo o que era pra ser feito. Mal a professora terminou de falar, eu já soltei: ué, mas não eram movimentos circulares? Isso aí não é circular não’. A professora não era aquela que gostava de ser questionada com frequência não, e tentou dar uma desconversada. Eu questionei de novo. O silêncio se aprofundou e eu virei o chato que não aceita que os outros tomem elogios. Pelo contrário, eu também achei incrível o que ele fez, e disse até pra ele, a questão é – não era REDONDO. NÃO ERA!”

Deixe um comentário