
A forma como cada indivíduo lida com um diagnóstico de neurodivergência pode ser bem singular, mas compreender a jornada do herói pode trazer uma certa previsibilidade para aqueles que acabaram de receber o diagnóstico ou estão buscando por respostas que justifiquem as dificuldades encontradas na vida em razão de um transtorno, como o do espectro autista.
Mundo comum: partimos de um estado de relativa inconsciência em relação ao transtorno. Percebemos que somos diferentes das outras pessoas, mas não compreendemos exatamente o porquê. Enfrentamos desafios comunicacionais, sociais, sensoriais e emocionais, mas buscamos normalizar essas questões, pois não conhecemos o mundo de outra forma.
Chamado à aventura: o sentimento de não pertencimento e as dificuldades enfrentadas estão sempre presentes. As constantes crises e desafios de adaptação na escola, no trabalho ou até mesmo com a própria família desperta uma necessidade de buscar respostas. Ao questionar as experiências de vida e ter acesso a conteúdos de outros autistas ou o diagnóstico de algum amigo ou parente próximo passa a ser um gatilho para considerar a possibilidade de fazermos parte do espectro. É nesse momento em que muitos de nós buscamos o diagnóstico.
Recusa do chamado: será mesmo que sou autista? Mesmo após ter recebido o diagnóstico, é comum nos perguntarmos se realmente somos autistas, se somos uma farsa ou se nossa avaliação neuropsicológica estava correta. Vivemos uma vida inteira sem o diagnóstico e por isso podemos negar a sua existência ou a busca por ele por algum período. Essa resistência parte da nossa própria ignorância sobre o transtorno, pois ainda entendemos o autismo como algo estigmatizado pelos estereótipos projetados pela sociedade normativa.
Encontro com o mentor: passamos a olhar mais para outros autistas e buscamos informação e acolhimento em grupos, comunidades e terapeutas. Esses mentores nos ajudam a compreender melhor o transtorno do espectro autista e a sua pluralidade.
Cruzamento do primeiro limiar: passamos a entender o autismo como parte da nossa identidade, aceitamos o diagnóstico formal e começamos a observar nossos comportamentos e nos acolher no processo. É comum começarmos a finalmente nos identificar como pessoas autistas em espaços públicos.
Provações, Aliados e Inimigos: passamos a vivenciar os estigmas preconceituosos e capacitistas em relação ao autismo, muitas vezes temos o diagnóstico diminuído ou negado por pessoas próximas, que não compreendem o autismo como ele realmente é e se manifesta. Isso muda nossas relações e se torna uma provação emocional muito difícil. Mas também nos conectamos com pessoas que nos compreendem e com pares autistas que ajudam a lidar com todo o processo.
Aproximação à caverna oculta: neste momento começamos a entender o autismo mais profundamente e como ele moldou nosso desenvolvimento. Podemos sentir um grande vazio, pois é o momento em que uma morte simbólica começa a acontecer: entendemos que não somos neurotípicos e que o esforço para isso é em vão.
Provação suprema: com a compreensão do autismo e sua integração com nossa identidade, enfrentamos o desafio de tentar adentrar no mercado de trabalho ou buscar adaptação na empresa que trabalhamos ou na instituição que estudamos. Precisamos mostrar algo que é invisível aos olhos dos outros e passamos por muitos julgamentos neste processo.
Recompensa: finalmente temos um novo entendimento sobre si e começamos a desenvolver estratégias compensatórias mais eficazes para lidar com a nossa deficiência, ressignificamos muitas de nossas crises e passamos a aceitar o autismo como parte de nós.
Caminho de volta e ressurreição: compreendemos o porquê somos diferentes das outras pessoas e temos uma perspectiva mais acolhedora em relação às nossas dificuldades. Temos um renascimento simbólico, nos aceitamos plenamente como pessoas autistas, sem negar o transtorno ou as dificuldades que o acompanham.
Retorno com o elixir: com nossa nova perspectiva de mundo, acabamos inspirando outras pessoas neurodivergentes a buscarem o autoconhecimento através da investigação diagnóstica. Também nos tornamos defensores da causa da neurodiversidade e ativistas pela inclusão.
A função do diagnóstico de autismo não é colocar um rótulo em nós. O diagnóstico, mesmo que tardio, tem a função de criar o pavimento que nos leva a uma melhor qualidade de vida. Sua função também é terapêutica, por responder diversas dúvidas e complexos que nos acompanharam por toda a vida. Autismo não é moda! É uma deficiência, que precisa ser acolhida e compreendida por todos que, direta ou indiretamente, convive com outras pessoas autistas.

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