Desde criança, sempre tive uma constante sensação de vazio que se manifesta em duas situações distintas: nas minhas relações sociais e nos meus interesses. No social, sempre me achei inadequado, além disso, a dificuldade em compreender a intenção e sentimento das pessoas em relação a mim torna difícil o processo de me fazer sentir parte. Sempre tive amigos, mas a sensação de solidão permanece.
Em relação aos interesses, sempre dependi de um foco intenso em algum assunto específico. Se não tenho este foco, fico completamente disfuncional e com muita dificuldade em manter minha atenção em qualquer coisa. A questão é que eu não posso simplesmente escolher no que eu vou ter hiperfixação ou hiperfoco (e quanto tempo vai durar). Entre um interesse e outro, vazio é uma sensação constante. É um tédio que, frente às varias oportunidades, provoca uma angustia e ansiedade avassaladoras.
Eu entendo que isso pode ser paradoxal para o olhar de terceiros: se temos uma capacidade “incrível” de entrar em um estado de hiperfoco, é como se bastasse querer realizar uma determinada atividade que vamos conseguir fazer. Não é bem assim que funciona. Rigidez cognitiva e disfunção executiva fazem com que a gente sinta uma desconexão entre o que a mente quer fazer e o que o corpo consegue. São como duas consciências distintas lutando entre si para tomar o controle do corpo.
Pode ser difícil encontrar um sentido para as coisas
Uma dificuldade que sempre tive é compreender a ordem normativa das coisas. Quais são meus objetivos pessoais? Qual a importância da vida? Por que preciso estar presente em determinados ambientes? Por que as vezes tenho interesses intensos em coisas que eu não gosto e não consigo focar em atividades que eu projeto algum interesse? Lidar com o conflito emocional é um desafio gritante pra pessoa autista, e certas coisas podem simplesmente não fazer sentido.
Todas essas indagações podem contribuir com o sentimento de vazio. É comum as pessoas associarem o autismo com a não necessidade de fazer parte. Como se bastasse o contato com o mundo interior. Autismo. Sua própria etimologia nos ensina isso: autós, do grego, significa “de si mesmo”, relativo ao “próprio”; e ismos, que por sua vez, significa estado de ser ou ação. Se nosso estado de ser é relativo ao si mesmo, não há necessidade do outro, não há necessidade de fazer parte, não há necessidade de incluir. Alguns autistas podem realmente se sentir assim, e muitos outros simplesmente são colocados nesses espaços, pois aqueles que os cercam acreditam que o autista não precisa fazer parte. É até um pouco irônico pensar que uma estereotipia comum no autismo é referir a si mesmo na terceira pessoa.
Afinal, como preencher o vazio e lidar com ele?
Criar ferramentas para regular o sensorial e identificar as emoções é necessário para conseguirmos aproveitar o prazer das atividades cotidianas, dando mais sentido e conforto para realização destas atividades e preenchendo a sensação de vazio que a sobrecarga e alexitimia podem provocar.
Mesmo antes do diagnóstico, o processo terapêutico se tornou essencial para eu entender o meu contexto atual, lidar com as emoções e realizar planejamentos. Compreender o meu papel em cada lugar que eu ocupo ou cada relação que fomento também ajuda a construir e validar minha identidade. Dar sentido para as coisas e compreender o si mesmo torna o processo mais fácil, dando previsibilidade e permitindo criar estratégias para lidar com os momentos mais difíceis.
Além disso, uma rede de apoio que valida nossas limitações e dificuldades e respeita o nosso tempo e espaço é fundamental para nosso bem-estar e sensação de pertencimento. É importante ter suporte para planejamento e manutenção da rotina, sobretudo se há interesse na realização de novas atividades. Por mais desejado que seja, criar novas rotinas pode ser muito desafiador para pessoas autistas. Ter uma rede de apoio entre os pares autistas é um catalizador do processo de criar a sensação de pertencimento.
Pena que nada disso depende somente de nós.
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Hoje, 02 de abril, é o dia mundial da conscientização sobre o autismo. Informe-se, escute, acolha, valide e inclua.








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