Dados contemporâneos sobre o autismo no Brasil e experiências de vida adulta no espectro

De acordo com os dados mais atualizados do IBGE, disponíveis no dia 23 de maio de 2025, 1,2% da população brasileira é autista. Dos 2,4 milhões de brasileiros diagnosticados, 1.4M são pessoas designadas como homens ao nascer, e 1M são pessoas designadas como mulheres ao nascer. Os dados mostram que a porcentagem de adultos diagnosticados é muito semelhante em ambos os sexos, equivalendo a 0,9% da população masculina e 0,8% da população feminina. Na infância, entretanto, a proporção chega a 3,8% da população masculina e 1,3% da população feminina. Indicando que o acesso ao diagnóstico precoce continua sendo privilégio da população masculina, mas que essa mesma população tem menos busca e acesso durante a fase adulta.

O sudeste concentra o maior número absoluto de pessoas diagnosticadas, com a maior concentração no estado de São Paulo, seguido por Minas Gerais. A escolarização de pessoas autistas ainda é precária entre adultos: somente 18,4% da população concluiu o ensino superior e apenas 14% das pessoas autistas acima de 25 anos possuem o ensino médio completo.

O modelo censitário não capta casos não diagnosticados ou sem acesso à saúde especializada, especialmente em adultos, impactando principalmente na compreensão dos dados sobre autismo nas populações negra, parda e indígena.

Outros dados contemporâneos sobre adultos no espectro autista

  • A inserção no mercado de trabalho é fundamental para a conquista da independência. Os dados ainda são escassos, mas estima-se que, no Brasil somente 15% das pessoas autistas estão inseridas no mercado de trabalho de acordo com o IBGE 2020;
  • No ambiente acadêmico os autistas também enfrentam dificuldades de inclusão. Um estudo da Universidade de Brasília em 2021, apresenta somente 2% da população com algum tipo de deficiência, que incluem 0,4% pessoas dentro do espectro nas universidades da região. Outros estudos realizados por universidades do sudeste, norte e centro-oeste, tem uma variação estimada de 0,3% a 0,9% da população autista no ambiente acadêmico;
  • Adultos autistas são mais vitimizados ao longo da vida. O índice relacionado ao transtorno de estresse pós traumático (TEPT) na população autista é de até 15 vezes maior do que uma pessoa fora do espectro (ocorrência de aproximadamente 4% na população geral e entre 40% a 60% na população dentro do espectro);
  • As identidades de gênero e sexualidade são mais diversas entre as pessoas autistas em comparação com a população neurotípica. O número de pessoas autistas que se identificam como trans ou não-binárias é até 8x maior que no público geral. Os estudos indicam que entre 6% e 26% das pessoas trans podem ser autistas e até 70% das pessoas autistas se identificam como parte da comunidade LGBTQIAPN+
  • Aproximadamente 30% das pessoas autistas apresentam deficiência intelectual associado ao transtorno, exigindo suporte substancial ao longo de toda a vida;
  • No Brasil, o censo do IBGE também aponta que aproximadamente 60% das pessoas diagnosticadas com o autismo possuem entre 5 e 17 anos, 30% entre 18 e 50 anos, indicando que o acesso ao diagnóstico se torna mais difícil na vida adulta.
  • Dado as características específicas do espectro autista, a falta de dados mais detalhados sobre a qualidade de vida dessas pessoas durante a vida adulta influencia diretamente na expectativa de vida da população que está no espectro.

Processos adaptativos na vida adulta no ponto de vista autista

Para abordar este tema, preciso deixar evidente que, quando me refiro a “momentos de vida adulta”, não necessariamente são eventos e experiências que ocorrem apenas após atingir a maioridade. Momentos de vida adulta podem ser, por exemplo, responsabilidades projetadas em crianças, como a de um filho primogênito pelo cuidado do mais novo.

Todos os autistas possuem alguma história para contar sobre um momento desejado (ou não) que foi alcançado, mas as reações ou processos adaptativos não foram como esperados. Pessoas autistas, ao vivenciar a necessidade de adaptação para um novo momento de vida adulta, podem acabar lidando com a dificuldade do processamento emocional e a adaptação às novas rotinas que aquele momento entrega.

Não deve ser difícil imaginar alguma dificuldade ou comportamento atípico ao lidar com as dinâmicas de um emprego novo. Ou de precisar mudar de cidade e recomeçar uma vida em um local desconhecido. A imprevisibilidade geralmente é uma grande inimiga da pessoa autista, mas é condição intrínseca da vida adulta da maioria das pessoas que vivem o transtorno, mas precisaram se adequar a um universo feito para neurotípicos.

“Eu fui uma criança muito responsável, então sempre pensei muito no meu futuro, e sempre consegui me forçar a dar passos difíceis pra me tornar mais independente. Mas acho que a parte mais complicada da transição pra vida adulta pra mim foram e ainda são as interações sociais e relacionamentos. Nos relacionamentos com amigos e família, eu acabo passando longos períodos sumido porque não sinto saudades, esqueço datas importantes e esqueço de “dar manutenção” nas amizades; Por conta disso, toda vez que saio de algum ambiente de convívio, como o trabalho, eu perco praticamente todas as amizades que eu fiz. Acho que a outra pessoa se sente abandonada, mas pra mim é difícil lembrar de manter essa amizade.” – Anônimo

“A alternativa sintática que encontraram para a reflexão sobre o trabalho, propondo-se então do ’mercado ao mundo’, continua ainda, obsoleta. Parecem-me palavras soltas que não compõem um significado mais profundo para pessoas neurodivergentes. Na superfície, ‘mercado e mundo’ são partes de uma sociedade que não inclui e não valoriza as diferenças. Nossos corpos devem continuar sendo produtivos, a qualquer custo, em um mundo sempre pensado para pessoas típicas. Na profundidade, adoecimento, assédio moral e impermanência no trabalho. Na minha singularidade semântica, é como se me jogassem ao oceano, em qualquer parte do mundo, sem saber nadar.” – Aline Korndörfer

Eu sempre achei que tinha algo de errado comigo antes do diagnóstico de autismo. Não me lembro de passar por algum processo de adaptação relacionado às transições do ciclo de vida que foi típico. Desde que entrei no mercado de trabalho, sinto que nunca me adaptei a essa dinâmica. Da mesma forma, sinto que nunca tinha me adaptado realmente às dinâmicas de vida de um estudante. Minhas relações afetivas e sexuais sempre foram atípicas. Nunca me adaptei aos processos comuns de um mundo que tende a ser normativo. Era estranho pensar ser criança, é estranho pensar ser adulto. Observar o meu envelhecimento e os marcos de vida é estranho. Minha perspectiva é autista. – Pedro Anacleto

Quando somos autistas e sequer temos acesso a essa informação, só conseguimos nos comunicar para a sociedade aquilo que ela é capaz de enxergar, tornando os processos considerados naturais de adaptação um desafio solitário para quem não teve a oportunidade de conhecer os seus pares e saber como lidar com as dificuldades individuais e singulares relacionadas ao transtorno.

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