Respostas incomuns a estímulos sensoriais são descritas desde o começo da história oficial do autismo. Tanto Leo Kanner (1943) quanto Hans Asperger (1944) descreviam reações bizarras de seus pacientes com relação aos sons, toque, cheios, estímulos visuais e paladar.
Embora o critério diagnóstico que aponta problemas sensoriais não seja obrigatório para a definição do transtorno, é possível encontrar na literatura uma estimativa de que as disfunções sensoriais atinjam entre 74% e 95% da população autista.
Nas últimas décadas, diferentes concepções sobre o autismo consideram anormalidades na percepção sensorial como a base dos principais sintomas do transtorno, implicando, inclusive, no desenvolvimento da linguagem e nos processos de aprendizagem. O critério diagnóstico, de acordo com o DSM-5-TR considera a hiper ou hiporreatividade aos estímulos sensoriais ou interesses incomuns por aspectos sensoriais do ambiente (indiferença aparente a dor/temperaturas, reação contrária a texturas e sons específicos, fascinação visual por movimentos ou luzes). Mas, de acordo com Ornitz e Ritvo (1968) o autismo é caracterizado por uma flutuação entre os estados aumentado e diminuído de ativação sensorial, resultando em uma falha na modulação sensorial e em uma experiência perceptiva instável. Segundo este modelo, os sintomas primários do autismo são os problemas na modulação sensorial, que causam os prejuízos de interação social, de comunicação, de linguagem e de comportamento.
Apesar da flutuação sensorial, os padrões de processamento sensorial geralmente se mantém o mesmo ao longo da vida, por exemplo:
“Eu sou hipossensível aos estímulos olfativos. Isso não quer dizer que eu não sinta o cheiro das coisas, eu sinto, mas na maioria das vezes sou incapaz de processar essa informação. Não consigo relacionar o perfume às pessoas e não sei identificar se uma roupa está imprópria para o uso pelo cheiro, ou se um alimento está estragando. Geralmente os cheiros não me incomodam, porque eu não percebo, mas às vezes eu entro em pânico porque o vizinho usou um tempero diferente na comida e eu penso que pode estar acontecendo algo perigoso, como gás vazando ou algo queimando, mas eu não sou capaz de identificar isso sozinho. O padrão de hipossensibilidade aos estímulos olfativos me acompanha por toda a vida, mas tenho crises pontuais que me deixam hiperreativo aos mesmos estímulos.” – Pedro Anacleto
Uma pessoa hiporreativa a um determinado estímulo sensorial, possui um alto limiar de reatividade, então é comum que ela busque sensações que estimulem tal sentido, enquanto uma pessoa hiperreativa possui um baixo limiar de reatividade, sendo mais sensível sensorialmente e evitando tais estímulos.
Percepções de padrões sensoriais comuns ao autismo
Hipersensibilidade sensorial
- “Um problema comum é a fala: a voz humana não é dolorosa, mas distrai horrivelmente, ela acaba com a minha concentração e pode parecer como uma tortura chinesa para mim.”;
- “Ver uma mancha na superfície perfeita de uma colcha é perturbador.”;
- “De modo geral, quanto mais leve for o contato, maior é o desconforto, e quanto mais firme, mais suportável e até prazeroso ele se torna.”
Sobrecarga sensorial
- “Se estou escutando uma coisa e olhando para ela ao mesmo tempo, muita informação pode chegar aos meus ouvidos e olhos de uma vez, então eu toco em alguma outra coisa. Isso faz com que a informação comece a passar por outro sentido, pelo meu tato, deixando meus olhos e ouvidos descansarem.”
Estratégia de resposta
- “Em ambientes estranhos eu me concentro nos padrões dos carpetes. Isso acalma a ansiedade que eu sinto de estar em um lugar desconhecido.”
- “Em situações sociais, preciso constantemente me escorar em algo ou apoiar minhas costas numa parede, é como se aquele estímulo silenciasse os outros e torna a situação mais suportável.”
Experiências sensoriais prazerosas
- “Existem alguns rituais pessoais que realizo simplesmente por prazer sensorial. Eles incluem movimentos ritmados e sons que eu faço para mim mesma. Eles enchem meu ser com um fenômeno sensual estimulante e ao mesmo tempo sereno.”
É importante ressaltar que esses relatos se originam de pessoas autistas com capacidade comunicativa preservada o suficiente para descreverem suas experiências sensoriais. Suas percepções não necessariamente correspondem às de outros autistas. Em relação aos prejuízos do transtorno do espectro autista, principalmente no que diz respeito à linguagem, a capacidade de relatar de forma precisa as experiências sensoriais pode ser limitada.
Alterações nas percepções de padrões sensoriais são frequentemente encontrados em relatos do dia-a-dia de pessoas não autistas. O que diferencia um grupo do outro é a intensidade e a frequência dessas experiências, que nos autistas parecem tão frequentes que podem tornar atividades diárias consideradas simples em atividades impraticáveis. Mas deve ser ressaltado também que a experiência autista em relação aos estímulos sensoriais nem sempre será prejudicial ou “defeituosa”, mas sim diferentes e não convencionais do ponto de vista alístico, e, quando bem compreendidas, podem ser trabalhadas para trazer benefícios reais para a pessoa autista, tanto do ponto de vista de regulação sensorial e emocional, quanto na sua capacidade de produção ou realização de atividades ocupacionais.
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Texto adaptado diretamente do artigo PUC Rio – Problemas sensoriais no autismo











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