Todos nós enfrentamos situações em que nos sentimos inseguros ou ameaçados. Quando pressentimos um perigo ou um risco, nossa reação natural é o medo — lutar ou fugir. Os autistas têm uma resposta inata parecida, mas seu limiar de reação é bem mais baixo, sobretudo para os que têm um perfil hiper-reativo. Um estímulo mais baixo desencadeia uma resposta emocional mais forte. A fonte de ansiedade não precisa ser um leão ou um homem armado. Quando a confiança é traída, quando a ordem de que a pessoa depende é rompida, isso provoca medo.
Temple Grandin talvez seja a pessoa autista mais famosa do mundo. Professora de zootecnia, é uma palestrante competente que transmite uma imagem de autoconfiança e elegância. Mas ela costuma descrever sua vida emocional da seguinte forma: “Minha principal emoção é e sempre foi o medo.”
A maioria dos seus medos tem origem em suas sensibilidades sensoriais. Embora um trovão não tenha muito efeito sobre ela, o alarme agudo de um caminhão que dá marcha a ré pode deixar seus batimentos cardíacos acelerados. As mudanças inesperadas de rotina também são grandes gatilhos de ansiedade.
O medo nas pessoas no espectro pode ser visível em seus olhos e em sua linguagem corporal, quando enfrentam situações em que se sentem inseguras, quando são expostas à sobrecarga sensorial de um restaurante ou ginásio barulhento, medo é o que pode ser observado. Mas no autismo, essas reações, muitas vezes, suscitam reflexões sobre um aparente paradoxo: por que alguns autistas parecem se amedrontar tanto diante de coisas comuns e inofensivas, como borboletas e estátuas, mas não se assustam com tantas outras coisas das quais deveriam ter medo? Por que um menino que tem horror a estátuas corre no meio do trânsito, consegue subir num telhado ou procura ficar em pé numa montanha-russa sem demonstrar medo algum?
Pode ser difícil para algumas pessoas autistas ponderarem os riscos as quais se submetem. Subir no telhado pode provocar entusiasmo e prazer, a perspectiva de cair de oito metros de altura pode não lhe passar pela cabeça, mas o movimento errático e imprevisível de uma borboleta pode gerar pânico e congelamento.
Para lidar com esse problema, muitos programas de educação para autistas dão ênfase a questões de segurança, a fim de fazê-los compreender quais situações podem acarretar dano ou perigo. Embora esses esforços sejam cruciais para ajudar os autistas a compreenderem como reagir à polícia ou a outras equipes de emergência, na verdade, deveria se tratar de um esforço de mão dupla. Os policiais que nada sabem sobre o autismo podem ser fisicamente inoportunos ou falar em voz alta e agressiva, desencadeando um alto nível de ansiedade nos autistas, que talvez reajam procurando se soltar, ou correndo, ou, ainda, não obedecendo às ordens recebidas. Os policiais, por sua vez, podem interpretar essas reações como indícios de culpa, o que pode resultar em abordagens mais violentas.
Controle: uma reação natural ao medo e à ansiedade
Quando a nossa confiança é traída e sentimos medo e ansiedade, nossa reação natural consiste em tentar exercer controle. Falar sem cessar sobre um assunto de interesse profundo — trens, dinossauros, universo — é um meio de exercer controle. Talvez a pessoa se sinta ansiosa e pouco à vontade nas situações sociais, pois não consegue prever o que as outras pessoas dirão ou pedirão. Porém, quando preenche o silêncio com longos monólogos sobre sua área de interesse, ela sente que tem algum controle. O ato de falar afasta a ansiedade perante o desconhecido e restringe a imprevisibilidade das conversas abertas.
O silêncio também pode ser uma via de tentar exercer o controle e se adaptar ao ambiente. O mutismo seletivo não se trata, a princípio, de um problema da fala e de linguagem, mas de um reflexo de uma ansiedade significativa.
Algumas pessoas tentam garantir o controle de uma forma inimaginável: criam regras em sua cabeça para entender o mundo e tentam fazê-lo se comportar de acordo com a sua própria lógica. Por exemplo a preferência por um tipo específico de alimento ou textura, até mesmo a rejeição seletiva por alimentos que nunca foram experimentados, são formas de lidar com o imprevisto e regular o medo e a ansiedade.
O autismo pode ser considerado uma deficiência da confiança, e a formação de relacionamentos de confiança é a chave para ajudar a lidar com um mundo que nos parece confuso, imprevisível e opressivo. Muitos autistas enfrentam mal-entendidos constantemente, podem não compreender as ações alheias e seus próprios comportamentos podem não ser compreendidos por colegas, educadores, desconhecidos e até pelos familiares mais próximos. Quanto mais mal-entendidos ocorrem, menos o indivíduo confia nas pessoas e mais tendência tem de se fechar e se refugiar dentro de si.
O esforço para garantir o controle diante de um mundo confuso ou estressante muitas vezes se estende também aos relacionamentos. Para desenvolver relações de confiança, é necessário partilhar o controle para construir a autodeterminação. Pense no que acontece num casamento ou em qualquer outra relação de intimidade se um dos parceiros sente que o outro sempre tenta ser o ‘chefe’, quem sofre é a confiança. Em vez de impor um controle externo, é essencial oferecer alternativas, dar voz ao autista em relação à determinação do seu cronograma, à escolha das atividades e ao controle de aspectos importantes de sua vida. Quando ele se sente respeitado e sente que tem algum poder sobre a própria vida, cria mais confiança nas pessoas ao redor.
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Texto adaptado do livro Humano à sua maneira, capítulo 4.

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