Aspectos da personalidade do autista adulto

O homem que se apagou no tempo. Por Guilherme Pedott Colossi

O transtorno do espectro autista (TEA) é atualmente descrito como uma condição do neurodesenvolvimento que acarreta prejuízos na interação social e na comunicação verbal e não verbal, estando presentes comportamentos repetitivos e/ou interesses restritos. É uma condição que acomete a pessoa por toda a vida.

Ainda que a maioria dos estudos e pesquisas sobre o autismo coloque o foco em crianças e bebês, nos últimos anos pode ser observado um interesse maior nos estudos sobre adultos autistas. Mason e colaboradores publicaram um estudo chamado “A meta-análise de desfechos de estudos em adultos autistas: quantificando tamanho de efeito, qualidade e metarregressão” (A meta-analysis of outcome studes of autistic adults: quantifying effect size, quality and meta-regression) que, de modo geral, observa que uma proporção considerável de adultos autistas apresenta uma evolução ruim ou muito ruim em termos de empregabilidade, relacionamentos sociais e autonomia. Tal estudo ressaltou a necessidade de se começar a identificar as características psicológicas das pessoas autistas que possam lhe predizer uma melhor evolução. Nesse sentido, um quociente de inteligência (QI) mais alto na infância foi correlacionado com uma evolução mais positiva. O QI pode ser considerado um fator de proteção, mas sozinho não garante um bom prognóstico. Outros fatores além do nível intelectual — como a gravidade dos sintomas, o nível do desenvolvimento de linguagem, o nível de suporte social, a idade, o nível de gravidade da condição e as características do desenvolvimento da personalidade — poderiam explicar as diferenças individuais na evolução do autista.

Sabe-se que as características típicas do autismo, como dificuldade na comunicação verbal e não verbal e na reciprocidade socioemocional se atenuam ao longo da vida e que as mudanças em sua sintomatologia são mais percebidas nas pessoas que mostratam maior QI na infância. Entretanto a evolução social para a maioria dos adultos autistas é ruim. É rara a aquisição de independência e autonomia em suas vidas, e eles demonstram dificuldades importântes no trabalho e nos relacionamentos pessoais. Ainda que muitos adultos autistas tenham frequentado programas educacionais ou tenham algum tipo de trabalho (pago ou voluntário), a porcentagem de uma evolução positiva continua baixa. Menos de 25% dos adultos autistas tem, pelo menos, um amigo e menos de 14% se casam ou tem um relacionamento íntimo prolongado.

A gravidade da sintomatologia da infância constitui outro fator importante na determinação do prognóstico. Sabe-se que comportamentos ritualísticos considerados inadequados ou estereotipados prejudicam a empregabilidade, manutenção de relacionamentos e o nível do funcionamento social em geral.

Problemas relativos à saúde mental costumam ter um impacto negativo na evolução, implicando em comorbidades adicionais ao transtorno. O risco crescente de suicídio na população autista é relatado por inúmeros estudos.

Os padrões atípicos de sentir, pensar e se comportar

Como na infância, adultos com TEA continuam apegados a rotinas, mostram uma tendência a crises de ansiedade e tendem a apresentar aversão a condutas sociais, dando mais prioridade aos seus próprios interesses em detrimento das comunicações sociais. Mesmo quando existe interesse na comunicação social, autistas carecem das habilidades sociais necessárias para estabelecer e manter inter-relacionamentos. Um prejuízo neurocognitivo relacionado à motivação e à capacidade para intuir pensamentos, sentimentos e comportamentos das outras pessoas, assim como os próprios, compromete seus relacionamentos interpessoais. Eles mostram padrões atípicos de sentir, pensar e se comportar, que podem constituir um conjunto de características de personalidade que lhes são peculiares.

O “Modelo de cinco fatores” determina fatores globais de personalidade associados ao autismo. Os resultados obtidos mostram que, quanto ao primeiro fator — extroversão —, autistas tendem a apresentar escores baixos, o que é coerente com as dificuldades em relação às condutas interativa e social. Em relação ao segundo fator — agradabilidade —, autistas também pontuam abaixo da média, devido à limitada capacidade para compreender indícios na relação interpessoal, expressar empatia, assim como para se engajar em interações emocionalmente sensíveis e recíprocas. O terceiro fator — conscienciosidade —, também é pontuado abaixo do desejável, dado os déficits em sua autorregulação (como atenção partilhada, memória processual, controle inibitório e prevalência do foco obsessivo em seus interesses específicos). Quanto ao quarto fator — neuroticismo —, autistas costumam pontuar alto, devido à tendência a experimentar níveis altos de ansiedade e estresse; dificuldade em regular as emoções e fragilidade na manutenção das redes sociais de suporte que contribuem para sentimentos de solidão e alienação. Por fim, o quinto fator — abertura à experiência —, a rigidez cognitiva e a aversão à novidade implicam em baixa abertura à experiência, com exceção feita aos seus hobbies e interesses específicos.

Pessoas autistas têm prejuízos na capacidade de introspecção por terem déficits na capacidade para usar conceitos metarrepresentacionais necessários à compreensão e organização de suas introspecções. Assim, o autismo é um transtorno devastador, pois prejudica não somente a compreensão do outro e dos indícios da comunicação social, mas também a compreensão de si mesmo, afetando no senso de self, desenvolvimento da identidade e autorregulação.

As características estruturais da noção de si mesmo referem-se ao modo pelo qual os elementos do autoconhecimento são organizados e podem ser experimentados pelos indivíduos na forma de uma clara noção de si mesmo, o que está ligado à memória autobiográfica. O estudo de Coutelle e colaboradores “Clareza do autoconceito e funções da memória autobiográfica em adultos com transtorno do espectro autista sem deficiência intelectual.” (Self-concept clarity and autobiographical memory functions in adults with autism spectrum disorder without intelectual deficiency) verifica uma baixa clareza da noção de si mesmo e um funcionamento baixo do ponto de vista social na memória autobiográfica das pessoas com TEA. Adultos autistas carecem da percepção de seu próprio comportamento e sentem dificuldades para relatar seus sintomas em questionários de autoavaliação.

As pessoas com TEA frequentemente apresentam dificuldade nas formas adaptativas e voluntárias de regulação emocional (como em resolução de problemas e aceitação). Elas fazem uso significativamente maior de formas involuntárias de regulação das emoções, que em geral são mal-adaptadas — incluindo permanecer focado nos fatores estressores e alto nível de ruminação emocional.

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*Texto adaptado do livro Autismo no adulto, capítulo 6: Aspectos da personalidade do autista adulto, escrito por Ceres Alves de Araujo.

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